ENGAJANDO

Falar sobre a Palestina ou apresentar a Palestina requer um compromisso com o envolvimento ético com os palestinos. A desumanização, o preconceito e a exclusão resultam não apenas de narrativas e enquadramentos prejudiciais, mas também da maneira como se interage, ou não, com os palestinos. Nesta seção, analisamos práticas comuns encontradas na mídia, na política, no desenvolvimento, em instituições acadêmicas e culturais e em espaços de solidariedade, e fornecemos orientações para um envolvimento digno e responsável.

Essas práticas estão frequentemente interligadas e reforçam-se mutuamente. Assim, algumas das análises e recomendações podem se sobrepor, mas as nuances entre elas têm implicações diferentes.

Combatendo a exclusão

Os palestinos são frequentemente excluídos dos espaços onde se fala sobre a Palestina, onde ela é destaque ou onde são tomadas decisões a respeito dela.

Setores político e de desenvolvimento

No nível político, é comum que políticos e organizações internacionais elaborem planos e estratégias para a vida e o futuro do povo palestino sem incluir os agentes da luta em nenhuma parte do processo.

Em uma realidade marcada pela ausência de uma liderança política verdadeiramente representativa — principalmente devido à colonização contínua de Israel, à fragmentação, à negação do direito de retorno, às prisões em massa e à repressão de qualquer movimento político potencialmente vibrante e eficaz —, os atores internacionais frequentemente se envolvem com representantes cuidadosamente selecionados que se alinham com suas próprias agendas e com o status quo, enquanto marginalizam o espectro mais amplo dos órgãos políticos e da sociedade civil palestinos.


Na esfera do desenvolvimento, a exclusão é frequentemente evidente na imposição de projetos verticais às comunidades palestinas, que não consultam nem respondem às necessidades reais das pessoas, ao mesmo tempo que marginalizam as formas de  sumoud (determinação, firmeza, perseverança) lideradas pela comunidade e pelas bases.

Ao excluir os palestinos dos principais processos decisórios e planos sobre o seu próprio futuro, os atores internacionais estão negando aos palestinos a capacidade de agir sobre o seu próprio destino, impedindo assim o seu direito à autodeterminação. Essa exclusão muitas vezes resulta em políticas e cursos de ação que não refletem as verdadeiras necessidades e realidades da Palestina, mas sim priorizam a manutenção das atuais agendas coloniais e injustiças.

Mídia, incidência e produção de conhecimento

Os palestinos não costumam ser o centro da construção de suas próprias narrativas. Outros continuam a falar sobre e em nome dos palestinos, em vez de falar com eles. Entrevistas, painéis e eventos sobre a Palestina costumam contar com a participação de “especialistas internacionais”, diplomatas ou até mesmo autoridades israelenses, enquanto sobreviventes, acadêmicos, ativistas e organizadores palestinos são ignorados.

Pesquisas e análises sobre a Palestina são realizadas regularmente sem o envolvimento palestino ou marginalizando a expertise palestina.

*Saiba mais sobre a invalidação da experiência palestina nessa seção.

A grande mídia internacional também exclui os palestinos da imprensa escrita, da televisão e de outras plataformas. Um estudo dos principais jornais dos EUA de 1970 a 2019 constatou que menos de 2% dos artigos de opinião sobre a Palestina foram escritos por palestinos.

Eu esperava encontrar relativamente poucos artigos de opinião escritos por palestinos, e estava certo. Mas o que me surpreendeu foi o quanto os palestinos têm sido mencionados nos principais meios de comunicação dos Estados Unidos ao longo das últimas décadas. Os conselhos editoriais e os colunistas parecem ter se dedicado bastante a falar sobre os palestinos, muitas vezes de maneira condescendente e até racista — mas, de alguma forma, não sentiram a necessidade de ouvir muito os próprios palestinos.
Maha Nassar, “A mídia dos EUA fala muito sobre os palestinos — mas semos palestinos”

Mehdi Hasan sobre como a mídia norte-americana exclui os palestinos em sua cobertura
Fonte: Democracia agora

Quando as narrativas palestinas são excluídas, abrem-se espaços para aqueles que deliberadamente promovem narrativas desumanizantes e tendenciosas ou que, apesar das boas intenções, não estão devidamente preparados para narrar a experiência palestina, uma vez que não a viveram. Isso perpetua uma narrativa distorcida que deturpa a compreensão do público sobre a luta palestina em favor do opressor e prejudica quaisquer políticas, discussões ou representações relacionadas à Palestina.

The Listening Post, “The Angry Arab” (O Árabe Irritado)
Fonte: Al Jazeera em inglês

Quando a inclusão se torna tokenização

Mesmo quando os palestinos são incluídos nas principais plataformas ou processos de tomada de decisão, sua participação é frequentemente reduzida a papéis simbólicos ou formas de representação que carecem de influência genuína.

Um palestino pode ser contratado ou convidado simplesmente para que os organizadores possam dizer que tiveram “representação palestina”. Esse tipo de inclusão é superficial: Os palestinos estão presentes, mas lhes é negado espaço, autoridade ou influência genuína na formação de conversas, narrativas ou decisões. É inclusão sem autonomia.

Este problema não se limita a ambientes hostis, também ocorre em espaços de solidariedade. Com demasiada frequência, os não palestinos dominam o microfone ou o enquadramento, enquanto os sobreviventes, intelectuais, defensores e organizadores palestinos são marginalizados ou tratados como colaboradores secundários.

Essa inclusão performática pode, às vezes, ultrapassar os limites éticos. A necessidade de apresentar um palestino “a qualquer custo” — seja para uma aparição na mídia, briefing diplomático ou evento de incidência — pode resultar em violações de consentimento, exigências insensíveis ao trauma ou à marginalização de certos indivíduos em favor daqueles considerados mais “identificáveis” ou “aceitáveis” para um público mais amplo.

Foque nas Vozes Palestinas: Evite que outras pessoas falem em nome dos palestinos. Eles devem estar no centro de todas as discussões e comunicações sobre a Palestina. Sempre pergunte: onde estão os palestinos nesta conversa?

Foque na Autonomia Política: Os palestinos devem ser os principais agentes nas decisões, processos e planos relacionados com as suas vidas e o seu futuro. Isso significa participação genuína e inclusiva em todas as etapas — desde o planejamento e o projeto até a tomada de decisões e a implementação.

Respeite o consentimento e os limites: Colocar os palestinos verdadeiramente no centro significa respeitar quando eles optam por não falar, não se envolver ou não ser representados. Quando eles decidirem se envolver, certifique-se de que seja nos termos deles e que o espaço seja baseado em condições éticas. Não instrumentalize as pessoas para obter visibilidade e não reduza as histórias palestinas a representações de sofrimento ou ferramentas para suscitar simpatia.

Rejeite a tokenização: A inclusão não deve se resumir ao cumprimento de cotas ou ao preenchimento de formulários de diversidade. Os palestinos devem ter espaço, autoridade e influência genuínos na definição das conversas, narrativas e decisões sobre sua luta.

Diversifique a participação palestina: A representação deve refletir a amplitude da sociedade palestina — sobreviventes, organizadores, especialistas, combatentes e pessoas de todos os partidos políticos, regiões geográficas, gerações e classes sociais.

Destaque o expertise palestino: Reconheça os palestinos como analistas, especialistas e líderes credíveis da sua própria luta. Priorize e promova o trabalho de acadêmicos, ativistas, jornalistas e profissionais palestinos para garantir que sua experiência conduza a narrativa.

Adote iniciativas de baixo para cima: No trabalho humanitário e de doação, evite impor projetos ou estruturas de cima para baixo e, em vez disso, consulte, priorize e apoie iniciativas populares e lideradas pela comunidade que reflitam as necessidades e aspirações palestinas.

Contestando a Invalidação

Os testemunhos, a documentação, a investigação, as artes e a produção de conhecimento palestinos são sistematicamente invalidados, desacreditados e minados nos meios de comunicação social, nos espaços de incidência, acadêmicos, culturais e políticos. São abordadas com desconfiança, descartadas como não confiáveis, a menos que sejam corroboradas por fontes israelenses ou ocidentais, ou confinadas a narrativas emocionais de sofrimento.

Essa desacreditação tem origem em uma mentalidade racista e colonialista, na qual o conhecimento produzido por povos colonizados ou oprimidos é tratado como inferior, pouco confiável ou suspeito, enquanto a perspectiva do opressor é vista como superior, objetiva e “civilizada”.

Tais práticas não apenas silenciam os palestinos, mas também os desumanizam e os privam de sua autonomia, retratando-os como incapazes de narrar com veracidade sua própria realidade vivida ou como narradores não confiáveis.

Clichê: Os palestinos inventam ou exageram a realidade

O termo depreciativo “Pallywood”, que sugere que os palestinos encenam o sofrimento para manipular a opinião pública mundial, é um excelente exemplo amplamente encontrado na sociedade israelense e na mídia. Esse conceito racista acusa falsamente os palestinos de inventarem cenas de opressão, chegando ao ponto de questionar as pessoas em Gaza que transmitem ao vivo os crimes genocidas que estão sendo cometidos contra elas. Essa prática reflete a estratégia mais ampla de Israel de se apropriar da narrativa de vitimização.

Explicador sobre a tática de desinformação israelense: “Pallywood
Fonte: Mundo TRT

Um exemplo recente e gritante é como o número de mártires palestinos durante o genocídio é questionado, acrescentando constantemente “gerido pelo Hamas” antes de “Ministério da Saúde em Gaza”, insinuando que os seus dados são intrinsecamente pouco fiáveis.


Sanaa Saeed fala sobre como a mídia retrata os palestinos como narradores não confiáveis.
Fonte: Jadaliya

Minando a credibilidade por meio da linguagem

Outra forma de minar a credibilidade palestina é através das escolhas linguísticas, incluindo termos eufemísticos, sintaxe, gramática e pontuação. Isso pode envolver: 

  • Colocar termos entre aspas, como referir-se à “Nakba” ou ao “genocídio” como se fossem contestados.
  • Adicionar qualificativos depreciativos como “o chamado”. 
  • Usar palavras como “alegações” ou “supostamente” quando se trata da análise palestina, em vez de termos mais precisos como “documentos” ou “revela”.

*Saiba mais sobre eufemismo nesta seção

O trabalho palestino só é validado quando realizado em parceria com israelenses

O trabalho cultural, acadêmico e de incidência palestina é frequentemente elevado ao reconhecimento da grande mídia quando eles se envolvem em diálogos ou iniciativas conjuntas com israelenses. Ao fazer isso, eles são frequentemente vistos como mais atraentes para o público ocidental, que os percebe como “comprometidos com a paz”. Isso está intimamente ligado à narrativa da “vítima ideal”, em que se espera que os palestinos se encaixem em um paradigma que enfatiza sua natureza pacífica e não conflituosa, a fim de serem considerados mais merecedores de cobertura, solidariedade e justiça.

Saiba mais sobre a narrativa de "vítima Ideal" nessa seção, e sobre a falsa paridade em nessa seção 

A experiência palestina é validada quando ecoada por fontes israelenses ou internacionais

Os palestinos, quando são destacados e não imediatamente descartados, são frequentemente tratados como insuficientes por si só. Eles ganham reconhecimento quando são repetidos por fontes israelenses ou ocidentais. 

Isso é particularmente prevalente em torno da produção de conhecimento e da especialização palestinas. Por exemplo, grupos palestinos de direitos humanos há muito analisam o apartheid israelense, e historiadores palestinos registraram os crimes sionistas durante a Nakba; no entanto, essas descobertas só se tornam amplamente reconhecidas quando validadas por organizações internacionais e israelenses.

Tendo trabalhado para as organizações palestinas de direitos humanos Adalah e Al-Haq, participamos durante anos em reuniões de incidência com diplomatas, órgãos da ONU, doadores e sociedade civil, e fomos forçados a encaixar a nossa realidade em estruturas fragmentadas que eles estariam dispostos a reconhecer e considerar “estratégicas”. Estávamos bem cientes das limitações do sistema de direitos humanos, mas mesmo quando defendíamos dentro de suas estruturas, nós, assim como muitos defensores palestinos e organizações de direitos humanos, éramos deslegitimados e considerados pouco confiáveis para refletir nossa própria realidade vivida como palestinos. Por sua vez, como mostra o recente reconhecimento do massacre de Tantura, em 1948, o perpetrador parece ser “automaticamente dotado da autoridade para narrar.
Soheir Asaad e Rania Muhareb, "Mensagens contraditórias da Anistia Internacional sobre o apartheid israelense"

Narrativas palestinas limitadas a relatos de forte carga emocional

A marginalização do conhecimento palestino também se manifesta na redução das vozes palestinas a narrativas exclusivamente emocionais. É comum ver vozes israelenses ou judaicas, e especialistas internacionais, oferecendo análises sobre a situação na Palestina; enquanto se espera que os palestinos compartilhem histórias pessoais ou prestem depoimentos, enquanto suas avaliações críticas sobre sua própria realidade são silenciadas. Isso reforça a ideia de que os palestinos são apenas testemunhas de sua opressão, em vez de intelectuais e especialistas em sua própria luta.

A voz palestina, quando é tolerada, recebe a dor, a emoção, a história do luto. A voz israelense é encarregada da complexidade. Nós incorporamos, eles analisam. Nós falamos das ruínas, eles falam das alturas. E nessa divisão do discurso, é sempre a voz israelense que molda a narrativa.
Muzna Shihabi, "A eliminação educada das vozes palestinas"

Verifique seu próprio viés: Você está avaliando as vozes ou fontes palestinas com um padrão diferente do que usaria em outros contextos assimétricos (Ucrânia, violência doméstica, luta dos negros, etc.)? Confie nas narrativas e na experiência palestinas, sem o ceticismo colonial e racista que sustenta sua invalidação.

Respeite a autonomia e a centralidade palestinas: Reconheça que os palestinos estão em melhor posição para narrar suas realidades, desde experiências pessoais até análises aprofundadas.

Amplie a experiência palestina sem validação externa: Compartilhe e promova análises, pesquisas e conhecimentos palestinos sem a necessidade de validação externa por parte de fontes israelenses ou ocidentais. Valorize e promova o trabalho palestino sem intermediários, mediação, espelhamento ou uma voz ocidental para agradar ao público.

Rejeite a falsa paridade: Não promova colaborações conjuntas entre palestinos e israelenses como pré-requisito para validação ou visibilidade. Essas estruturas normalizam o opressor e descentram a experiência e o conhecimento palestinos, criando uma falsa equivalência entre ocupante e ocupado.

Certifique-se de que sua terminologia, enquadramento e pontuação mantenham a credibilidade das fontes palestinas: Evite termos como “alegações” e “alega”; qualificadores como “chamado”; ou aspas excessivas em torno de termos palestinos, pois sugerem dúvida e minam a legitimidade. Use verbos fortes e neutros, como “documenta”, “revela” ou “relata”, e trate as fontes palestinas com respeito.

Combata a desinformação: Denuncie táticas de desinformação racista como a “Pallywood”. Contrarie as presunções de má-fé ou culpa. Destaque como essas acusações servem para desumanizar os palestinos, apagar seus testemunhos e proteger Israel da responsabilização.

Enfrentando compromissos de má fé

Os palestinos são frequentemente convidados a falar na mídia, em mesas redondas sobre políticas, briefings políticos e fóruns públicos em condições exploradoras, desumanas e antiéticas. Isso se estende por várias etapas do envolvimento: quem pode falar, o que pode ser dito, como as conversas são estruturadas e as condições sob as quais se espera que os palestinos falem.

Quem fica com o microfone

O processo de seleção de oradores palestinos é frequentemente moldado por um conjunto de critérios prejudiciais e condicionais. Os palestinos são convidados como “vítimas ideais” quando são vistos como agradáveis e identificáveis o suficiente para o público ocidental.

Frequentemente, são forçados a falar apenas como vítimas e narradores de dor; ao mesmo tempo em que são desencorajados a oferecer análises e críticas políticas, nomear os perpetradores ou falar como agentes de resistência, especialistas e intelectuais.

Essa abordagem excludente priva os palestinos de sua capacidade de ação política e alimenta estereótipos sobre quem realmente são os palestinos.

*Saiba mais sobre a narrativa de "vítima ideal" nessa seção

O poema de Rafeef Ziadah sobre a mídia forçar os palestinos a falar apenas como vítimas
Fonte: Sternchen Productions

Falta de consentimento e transparência

Os palestinos são frequentemente convidados a participar sem receberem informações completas sobre o objetivo, o formato ou as condições do compromisso. Detalhes importantes — como o escopo do tema, a duração, se a conversa será ao vivo ou gravada, quem mais estará presente e como suas contribuições serão utilizadas — são frequentemente ocultados. Essa falta de transparência pode criar dinâmicas manipuladoras, traumatizar novamente os participantes e expô-los a riscos com os quais eles não concordaram.

Perguntas ou interrogatório?

Quando os palestinos têm uma plataforma para narrar suas realidades, eles enfrentam interrogatórios em vez de diálogos. Eles são interrompidos, apressados e forçados a responder perguntas descontextualizadas e refutar falácias lógicas que os colocam como suspeitos por natureza. Em vez de serem questionados sobre o contexto, a estratégia ou a análise, eles são pressionados a condenar a resistência e provar sua humanidade — enquanto sobrevivem à colonização e ao genocídio em tempo real.

Saiba mais sobre as falácias em nossa ferramenta aqui.

Yara Eid desconstrói o questionamento da mídia dominante
Fonte: AJ+

Dor como espetáculo

Os palestinos são frequentemente convidados a falar enquanto ainda estão de luto. Por exemplo, as famílias dos mártires são convidadas a falar poucas horas ou dias após o assassinato de seus entes queridos, sem qualquer consideração pelo seu estado emocional. Em vez de terem espaço para narrar em seus próprios termos, muitas vezes são interrogados sobre as afiliações políticas de seus entes queridos e a natureza de seus assassinatos; ou solicitados a condenar a retaliação e jurar que não têm ódio em seus corações. Isso retraumatiza e desumaniza os enlutados.

Falsa paridade com representantes sionistas

Os palestinos são rotineiramente colocados em discussões ao lado de autoridades israelenses ou porta-vozes sionistas, como se representassem os dois lados de um “conflito” simétrico. Isso não só equipara falsamente colonizadores e colonizados, como também coloca os palestinos em risco, sujeitando-os a difamação e ameaças reais por parte de lobbies sionistas e atores estatais.

*Saiba mais sobre a falsa paridade nessa seção.

Configurações prejudiciais

Os palestinos são frequentemente convidados a falar sobre assuntos fora da sua área de especialização, acompanhados por especialistas experientes e com pouco espaço para se expressarem. Configurações prejudiciais também incluem o enquadramento distorcido de toda a conversa. Em entrevistas na mídia, por exemplo, isso pode envolver as imagens exibidas atrás ou ao lado de um orador, a sequência de oradores sionistas antes ou depois deles, ou a abordagem descontextualizada da questão pelo âncora. Essas práticas moldam a percepção de maneiras que desacreditam e minam as narrativas palestinas.

Respeite a autonomia e a centralidade palestinas: Reconheça que os palestinos estão em melhor posição para narrar suas realidades, desde experiências pessoais até análises aprofundadas.

Diversifique a participação palestina: A representação deve refletir a amplitude da sociedade palestina — sobreviventes, organizadores, especialistas, combatentes e pessoas de todos os partidos políticos, regiões geográficas, gerações e classes sociais.

Garanta o consentimento e a transparência: Comunique claramente com antecedência o objetivo, o formato e as condições do compromisso. Apresente todos os detalhes relevantes, incluindo o escopo do tópico, a duração, se a conversa é ao vivo ou gravada, outros participantes e público esperado. Obtenha o consentimento informado e dê aos participantes a oportunidade de revisar como suas contribuições serão apresentadas, especialmente em formatos escritos ou gravados.

Envolva com integridade: Aborde todas as conversas com a intenção de ouvir, compreender e aprender — não para interrogar ou desacreditar. Verifique se sua abordagem não contém falácias. Evite perguntas provocativas ou tendenciosas, falsos binários ou enquadramentos simplificados demais. Certifique-se de que as perguntas sejam transparentes em sua intenção e livres de segundas intenções.

Apresente o contexto: Garanta que as discussões sobre a Palestina sejam fundamentadas no contexto histórico e político. Dê tempo aos participantes palestinos para que possam contextualizar e falar sem interrupções, e não os pressione a transmitir mensagens redutoras. A organização das entrevistas deve garantir uma sequência responsável dos interlocutores, imagens precisas emparelhadas ou de fundo e um enquadramento que reflita o contexto, em vez de distorcê-lo.

Respeite as funções e a experiência: Não peça às pessoas que falem sobre assuntos fora da sua área de conhecimento. Se você convidar um palestino para dar seu testemunho sobre sua realidade cotidiana, não peça que ele analise a realidade geopolítica. Da mesma forma, se você convidar um especialista em questões ambientais, não o questione sobre temas que ele não domina necessariamente. Não combine os depoimentos palestinos com os de especialistas de forma a marginalizá-los.

Priorize a segurança: Avalie os riscos potenciais para os participantes palestinos — legais, emocionais ou físicos — antes de envolvê-los nas conversas. Não os coloque ao lado de outras pessoas que possam comprometer sua segurança ou dignidade.

Seja sensível e empático: Ao trabalhar com famílias em luto ou indivíduos vulneráveis, respeite seus limites emocionais. Não os apresse a fazer aparições públicas nem faça perguntas desumanas. Deixe-os contar suas histórias em seus próprios termos, com dignidade e cuidado.

Pare a normalização: Não se deve pedir aos palestinos que se coloquem em oposição ao seu opressor, mesmo aqueles que defendem a “paz” apenas no discurso, mas se beneficiam do sistema opressivo.

Rejeitando a Falsa Paridade

Uma prática recorrente em vários setores promove que palestinos e israelenses (ou sionistas) compartilhem plataformas, espaços e iniciativas, destacando a “necessidade” de envolver “ambos os lados”, seja por meio de negociações formais, diálogos, projetos conjuntos ou interações individuais. 

A insistência em incluir vozes israelenses ao lado das palestinas decorre e reforça a narrativa do “conflito bilateral”, em que a luta anticolonial palestina se torna um “conflito” prolongado, criando a ilusão de responsabilidade e poder iguais entre o colonizador e o colonizado.

*Saiba mais sobre o Dois-ladismos nessa seção.

A falsa paridade frequentemente proclama princípios de equilíbrio e neutralidade, com o objetivo subjacente de retratar “ambos os lados” de forma igualitária e destacar as irregularidades, o sofrimento e o ponto de vista de “ambas as partes”. Isso ignora o profundo desequilíbrio de poder e a dinâmica entre colonizador e colonizado. 

Também aborda a situação como algo que poderia ser resolvido por meio da empatia e do diálogo. Embora o diálogo seja frequentemente visto como algo inerentemente positivo, nem todo diálogo é neutro ou construtivo. Quando o formato não desafia as estruturas de opressão — ou pior, inclui aqueles que as representam e defendem — ele se torna parte do problema.

Se você é neutro em situações de injustiça, você escolheu o lado do opressor. Se um elefante estiver com a pata sobre a cauda de um rato e você disser que é neutro, o rato não apreciará sua neutralidade.
Desmond Tutu
Seção
Manifestações de falsa paridade
Mídia
  • Convidar palestinos para falar em pé de igualdade em entrevistas conjuntas com israelenses ou sionistas.
  • Recusar-se a cobrir notícias sobre a Palestina, a menos que possam ser diretamente relacionadas a Israel, ou exigir que os jornalistas produzam uma notícia semelhante sobre os israelenses — uma condição que não se aplica no sentido inverso.
Política, doadores e
ONGs
  • Promover negociações bilaterais e processos de resolução de conflitos como paradigma político principal.
  • Financiar, implementar ou apoiar projetos, iniciativas ou campanhas que promovam a colaboração entre israelenses e palestinos no âmbito do quadro “povo a povo”.
Meio Acadêmico
  • Organizar, financiar ou implementar projetos de pesquisa, publicações, programas de diálogo e intercâmbio ou eventos com “israelenses e palestinos” que se baseiem na falsa paridade entre opressor e oprimido.
  • Oferecer currículos e cursos que enquadram a Palestina dentro de uma narrativa de Dois-ladismos.
Instituições culturais
  • Organizar ou financiar exposições conjuntas, festivais, músicas e filmes que promovam a “coexistência” e a colaboração entre palestinos e israelenses, sem reconhecer os direitos fundamentais dos palestinos e sem desafiar a opressão estrutural.
Espaços de Solidáriedade
  • Promover ou celebrar espaços comuns, diálogos ou colaborações entre palestinos e israelenses que podem se opor a algumas das políticas da ocupação militar israelense, mas ainda assim subscrevem o sionismo e não questionam o sistema.
Enviei muitas matérias para veículos de comunicação estrangeiros. Quando eu estava apresentando uma matéria sobre um artista, a reação foi: “mas seria mais interessante se o artista estivesse colaborando com um artista israelense".
Discussão em grupo focal, Ramallah
Leia mais sobre nossa metodologia de pesquisa aqui

Normalizando a opressão

Todos esses exemplos e práticas normalizam a opressão israelense como uma realidade indefinida, enquadrando-a como um “conflito” a ser gerenciado, em vez de um sistema de colonização e apartheid que deve ser desmantelado. Em vez de priorizar a responsabilização, as sanções e medidas concretas para a libertação e a justiça, eles desviam os esforços para a “construção da paz” e a construção do Estado — ignorando as causas profundas da expropriação palestina.

Manipulação psicológica (Gaslighting)

Os palestinos que se recusam a participar ou se opõem e boicotam tais formatos são então acusados de “rejeitar a paz”. Isso é uma forma de manipulação psicológica: dizer-nos que, se não participarmos desses diálogos, somos contra a “paz” — quando, na verdade, estamos defendendo, lutando e resistindo pela justiça, pela segurança e pelos nossos direitos fundamentais. A antinormalização tem suas raízes na luta palestina, que remonta à Grande Revolta de 1936-1939, e foi claramente definida pela sociedade civil palestina nas Diretrizes de antinormalização do movimento BDS.

*Saiba mais sobre a “narrativa negacionista” nessa seção

Trabalho emocional imposto

A falsa paridade também coloca o trabalho emocional sobre os palestinos, onde se espera que eles sejam a “vítima ideal”— permanecer calmo, gentil e infinitamente paciente, mesmo quando sujeito a profundas injustiças. Espera-se que os palestinos eduquem os outros, incluindo os israelenses, e provem sua humanidade — tudo isso enquanto estão sob ataque. As pessoas oprimidas não deveriam ter que conquistar o direito de serem ouvidas apelando para o conforto dos outros. A verdadeira solidariedade não exige trabalho emocional daqueles que sofrem, mas sim: Como podemos ouvir, aprender e agir com integridade?

Minando a autonomia

Além disso, forçar os oprimidos a compartilhar espaço com seus opressores, ou cultivá-los como “iguais”, enfraquece a autonomia palestina, negando-lhes a oportunidade de serem os principais narradores de sua própria luta. Isso contribui para a contínua marginalização das narrativas e dos conhecimentos especializados palestinos.

*Saiba mais sobre a invalidação da experiência palestina nessa seção

Ghassan Kanafani em uma entrevista falando sobre a futilidade das “negociações de paz”
Fonte

Rejeite a falsa equivalência e a exigência de ser “neutro” ou “equilibrado”: Identifique o profundo desequilíbrio de poder e a dinâmica entre colonizador e colonizado, concentre-se nas causas profundas e dê destaque àqueles cujos direitos são sistematicamente negados. A solução para a colonização israelense não é a “paz” ou a “coexistência”, mas a justiça e a libertação. Verifique sua iniciativa, comunicação ou política com base nesses princípios.

Enfrente a normalização: Não se deve pedir aos palestinos que se coloquem em oposição ao seu opressor. Quando as conversas ou iniciativas não desafiam as estruturas de opressão — ou pior, incluem aqueles que as representam e defendem, ou aqueles que defendem a “paz” apenas no discurso, mas se beneficiam do sistema opressivo — elas se tornam parte do problema.

Apoie o trabalho independente palestino: Centralize e apoie os estudos, a pesquisa e a arte palestinos em seus próprios termos — sem depender de parcerias com sionistas.

Rejeite iniciativas “de um povo para outro povo”: Não apoie plataformas, iniciativas ou atividades que se concentrem na coexistência, na construção de pontes ou em abordagens semelhantes enganosas que perpetuam a assimetria estrutural e a injustiça, ao mesmo tempo que protegem o agressor da responsabilização.

Mudança da “construção da paz” para a libertação: Os paradigmas políticos de “construção da paz” e resolução de conflitos não abordam a opressão colonialista. A verdadeira bússola é a justiça, a libertação, os direitos e a descolonização. A política deve estar firmemente alicerçada nestes princípios.

Desafiando a Desinformação

Embora as vozes e fontes palestinas sejam excluídas, duvidadas, marginalizadas e censuradas, as fontes israelenses, particularmente as autoridades israelenses, são frequentemente consideradas confiáveis, com suas narrativas aceitas como confiáveis. Isso ocorre apesar de sua posição como colonizadores e opressores e do histórico bem documentado de Israel encobrindo seus crimes e utilizando táticas de desinformação.

Hasbara: Propaganda de Israel

Hasbara—a palavra hebraica para “explicação” —é a estratégia de diplomacia pública de Israel que visa moldar a opinião internacional a seu favor. Em sua essência, Hasbara apresenta Israel como uma vítima perpétua sob constante ameaça, legitimando assim a opressão colonial como atos necessários de “defesa” e sobrevivência.

O conceito foi popularizado no início do século XX pelo líder sionista Nahum Sokolow. Tropos como “uma terra sem povo para um povo sem terra” e “fazer o deserto florescer” foram as primeiras formas de desinformação. Essas narrativas retrataram o projeto colonial dos colonos como “libertação” e “retorno”, enquanto enquadravam a limpeza étnica palestina como progresso e civilização.

Hasbara tornou-se mais formalizado em 1984 na Conferência do Congresso Judaico Americano. Convocados após a invasão do Líbano por Israel e as crescentes críticas globais, os líderes sionistas chamado para uma estratégia de propaganda coordenada e proativa. Isso marcou uma mudança do controle de danos ad hoc para a guerra narrativa estratégica e institucionalizada, incorporando Hasbara dentro de ministérios e unidades estaduais e coordenando redes globais de lobby bem financiadas.

Grupos-chave como o Comitê Americano de Assuntos Públicos de Israel (AIPAC), a Liga Antidifamação (ADL), o NGO Monitor, o UK Lawyers for Israel, CAMERA, Canary Mission, Honest Reporting, Im Tirzu, UN Watch e outros orquestram campanhas de difamação, disseminam desinformação e pressionam e manipulam governos, mídia, instituições acadêmicas e empregadores para que adotem Hasbara narrativas e deslegitimam e silenciam o ativismo palestino e o movimento de solidariedade.

Um exemplo proeminente de coordenação Hasbara trabalho é O Dicionário Global de Idiomas, um manual de propaganda de 2009 de O Projeto Israel, um grupo de lobby da mídia entre EUA e Israel que forneceu estratégias de comunicação explícitas para defender o sionismo. Em 2015, Israel e seus defensores já haviam investida mais de 300 milhões de dólares em propaganda, vigilância e justiça com o objetivo direto de silenciar a dissidência.

Com a ascensão da comunicação digital, Hasbara se expandiu para novas arenas. O apagamento e a distorção das narrativas palestinas agora operam por meio de algoritmos, proibições paralelas, encerramento de contas e políticas discriminatórias de moderação — ferramentas que suprimem a defesa palestina na esfera digital e amplificam a desinformação israelense.

Como a israelense Hasbara justifica o genocídio Fonte: Rabet
Assista também este explicador em Habara pela Palestine Deep Dive

Espalhando desinformação na mídia e na política

O que começa como propaganda do governo israelense e de seu aparato é rapidamente considerado pelo valor nominal, citado e compartilhado novamente como fato pelos meios de comunicação e políticos, amplificando e legitimando sua desinformação.

  • Um estudo de 2019, analisando 100.000 manchetes nos principais jornais dos EUA encontrado que fontes israelenses têm quase 250% mais chances de serem citadas do que palestinos.
  • Uma análise da cobertura jornalística a cabo dos EUA sobre o primeiro mês do genocídio de Israel em Gaza encontrado que o porta-voz do exército israelense foi entrevistado 44 vezes na CNN, MSNBC e Fox News no período de 30 dias e teve liberdade para enganar e distorcer com pouca ou nenhuma resistência.
  • Um estudo analisando 35.000 peças entre outubro de 2023 e outubro de 2024 encontrado que a BBC entrevistou duas vezes mais israelenses do que palestinos, e os apresentadores compartilharam a perspectiva israelense 11 vezes mais do que a perspectiva palestina.

Sana Saeed examina reportagens ocidentais onde fontes israelenses são coletadas sem escrutínio.
Fonte: AJ+

Estudo de caso: A história de bebês decapitados fabricados

Em 10 de outubro de 2023, um correspondente do canal israelense i24NEWS relatou alegações feitas por soldados israelenses em Kufr Azza de que haviam encontrado bebês decapitados no kibutz. Ela relatou: “Bebês, com as cabeças decepadas. Foi o que eles disseram.” 


Um dia depois, as alegações não verificadas sobre 40 bebês decapitados apresentadas nesta matéria viralizaram na mídia ocidental e nas redes sociais, com a matéria recebendo mais de 44 milhões de impressões, 300 mil curtidas e mais de 100 repostagens apenas na rede social X (antigo Twitter). Embora essas alegações tenham sido desmentidas, o ex-presidente dos EUA Joe Biden publicamente repetiu a alegação, mesmo quando sua equipe o aconselhou a não fazê-lo. Ele até mentiu sobre ver fotos desses bebês.


Essa mentira continua a ressurgir em discussões que justificam o genocídio em curso por parte de Israel.

Espalhando desinformação em instituições internacionais

A aceitação acrítica das fontes israelenses torna-se ainda mais alarmante quando reiterada por instituições encarregadas de defender o direito internacional, aderir a metodologias baseadas em evidências e manter a independência — tais como Agências da ONU e formais, e organizações internacionais de direitos humanos. Isso ficou evidente em relatórios e declarações recentes dessas instituições, que adotaram acriticamente fontes oficiais e propaganda israelenses, efetivamente encobrindo o genocídio em curso.

Estudo de caso: Relatório da ONU sobre estupro

Relatório do Representante Especial da ONU sobre Violência Sexual em Conflitos alegaram que “há motivos razoáveis para acreditar que violência sexual relacionada ao conflito, incluindo estupro e estupro coletivo” ocorreu em 7 de outubro de 2023. 

No entanto, o próprio relatório reconhece que a equipe da missão foi significativamente limitada pelo fato de que grande parte de suas informações era “em grande parte proveniente de instituições nacionais israelenses”. A equipe da missão realizou um total de 33 reuniões com instituições nacionais israelenses, incluindo o presidente de Israel e a primeira-dama, “ministérios relevantes... as Forças de Defesa de Israel (IDF), a Agência de Segurança Israelense (Shin Bet) e a Polícia Nacional Israelense responsável pela investigação dos ataques de 7 de outubro”.

A prática de aceitar as fontes oficiais israelenses sem questionamentos e divulgar suas informações falsas na grande mídia, nos círculos políticos e nas organizações internacionais prejudica a credibilidade desses órgãos e os próprios valores que eles afirmam defender, como o jornalismo independente e a proteção da paz, da segurança e dos direitos humanos. Ao fazer isso, corrói os princípios universais. Ao mesmo tempo, a disseminação das narrativas israelenses — que se concentram em desumanizar, demonizar e criminalizar os palestinos — distorce a opinião global, alimentando o racismo e o ódio contra palestinos, árabes e muçulmanos.

Não acredite nas informações fornecidas por autoridades israelenses ou lobistas sionistas: A desinformação está incorporada nas táticas do regime israelense. Sempre considere que as informações sobre palestinos e seus aliados provenientes dessas fontes são de má-fé e têm objetivos malévolos.

Defenda metodologias baseadas em evidências: Siga padrões rigorosos e transparentes de comprovação, examinando fontes oficiais israelenses e garantindo que todas as alegações sejam verificadas de forma independente.

Amplifique as fontes palestinas: Os palestinos há muito tempo documentam e denunciam a opressão de Israel. Compartilhe análises, documentação, investigações e depoimentos de palestinos e organizações lideradas por palestinos para desmascarar a desinformação.

Siga os padrões éticos do jornalismo: Comprometa-se com os princípios de independência, imparcialidade e responsabilidade na cobertura jornalística sobre a Palestina, em conformidade com a Carta Global de Ética para Jornalistas.

Resistindo à Repressão

Os palestinos e seus aliados têm historicamente resistido e mobilizado seu poder contra o sionismo e suas raízes no imperialismo global por meio de ativismo, boicotes, incidência, esforços de responsabilização, lobby na mídia e construção de movimentos transnacionais. Quanto mais amplificam a narrativa da libertação palestina na corrente dominante e minam os sistemas de opressão — incluindo a colonização sionista, o Estado, a cumplicidade das empresas e das instituições —, mais estas forças os reprimem. Isso fica evidente na aceleração alarmante da repressão contra o movimento palestino desde o início do genocídio, em outubro de 2023.

A estratégia: instrumentalizando a luta contra o antissemitismo e o “contraterrorismo”

O governo israelense e os grupos de pressão sionistas utilizam duas estratégias principais para reprimir a resistência e a dissidência. Primeiro, eles confundem críticas a Israel e ao sionismo com antissemitismo. Em segundo lugar, difamam e criminalizam os palestinos e o movimento de solidariedade, rotulando-os de “terroristas”.

Com base nessas estratégias, são utilizadas duas frentes táticas amplas:

1. Repressão institucional: Desde a fundação de Israel, ordens militares e leis criminalizaram a organização política e a resistência na Palestina, rotulando-as como “terrorismo” ou atividade ilegal. Isso incluiu a maioria dos partidos políticos palestinos, grupos estudantis, organizações de direitos humanos, meios de comunicação e até mesmo agências da ONU. Globalmente, o governo israelense e os grupos de pressão sionistas pressionam governos, formuladores de políticas, corporações, meios de comunicação, empregadores, instituições acadêmicas e organizações internacionais a adotar políticas e legislações repressivas e fascistas. Isso inclui legislação anti-BDS, leis “antiterrorismo” e a definição de antissemitismo da IHRA, que equipara qualquer crítica a Israel ao antissemitismo.

Verifique o banco de dados de FMEP de legislação dos EUA explorando o anti-semitismo e segmentando o BDS como alvo.

2. Calúnia e difamação: A repressão também assume a forma de ataques destinados a intimidar e silenciar. Ativistas e organizações são difamados com falsas acusações de antissemitismo, extremismo ou “terrorismo”; enquanto campanhas direcionadas de doxxing (bullying cibernético) e assédio incentivam ameaças, abusos e até violência física.

Encolhimento dos espaços de incidência

A repressão tem como objetivo eliminar os espaços e recursos para a organização, incidência e trabalho de solidariedade internacional dos palestinos. Por exemplo, quando o governo israelense designou seis importantes organizações da sociedade civil palestina como entidades “terroristas”, muitos governos, instituições e doadores ocidentais adotaram essas acusações infundadas e interromperam ou suspenderam o financiamento a essas organizações.

Ao mesmo tempo, proibições de protestos de solidariedade, eventos cancelados e o fechamento de plataformas de incidência reduzem ainda mais o espaço para desafiar e resistir à opressão colonialista de Israel. Em conjunto, estas medidas comprometem gravemente a eficácia da incidência e organização palestinas.

Custos individuais da repressão

Atacar e deslegitimar vozes dissidentes causa vários níveis de danos àqueles que os sofrem ou testemunham.  

Isso inclui violência física, como brutalidade policial em protestos, prisões arbitrárias, detenções, proibições de viagem, deportações e revogações de vistos; bem como danos econômicos, como suspensões no local de trabalho, demissões ou processos judiciais onerosos. Além do aspecto material, há profundos impactos sociais e psicológicos: os danos à reputação e o desgaste mental causado pela constante deslegitimação deixam consequências duradouras naqueles que defendem os direitos dos palestinos.

A acadêmica alemã-palestina Anne Esther Younes discute a difamação que enfrentou por seu trabalho.
Fonte: O Novo Árabe
Consulte a base de dados da ELSC sobre a repressão sistemática da solidariedade com a Palestina na Alemanha, aqui

Autocensura e desmotivação do envolvimento

Os danos causados pela repressão vão além dos alvos imediatos, promovendo uma cultura de medo e desencorajando qualquer pessoa que se envolva ou considere defender os direitos dos palestinos. Muitos jornalistas, ativistas, políticos e trabalhadores são obrigados a se autocensurar, temendo repercussões que possam prejudicar suas carreiras e meios de subsistência.

É difícil para mim entender o quanto posso dizer ou publicar no Twitter, considerando que tenho um visto de trabalho israelense. Às vezes percebo que me censuro, porque tenho medo das consequências que isso pode ter. Sempre existe a possibilidade de ser acusado de antissemitismo quando se diz algo contra Israel. Quanto mais tempo fico aqui, mais complicado se torna ser apenas um jornalista.
Participante da discussão do grupo focal, Ramallah
Leia mais em nossa metodologia de pesquisa aqui

Alimentando o racismo antipalestino

Difamar os palestinos e seus aliados com acusações falsas, como serem racistas, “terroristas” ou extremistas, tem origem no racismo antipalestino, que visa silenciá-los, excluí-los e desumanizá-los, bem como suas narrativas. Isso reforça uma narrativa de “nós contra eles”, alimentando discursos de ódio e crimes de ódio contra palestinos, árabes, muçulmanos e pessoas racializadas. Isso aumenta o isolamento dos palestinos e seus aliados da comunidade global, ao mesmo tempo em que mantém os sistemas globais de opressão.

Leia o artigo completo na Al-Shabaka por Layla Kattermann e Diala Shamas: Repressão à solidariedade com a Palestina aqui

Para os detentores de poder:

Combata o racismo contra os palestinos: Pare de difamar os palestinos e seus aliados com calúnias como serem inerentemente antissemitas, uma ameaça/simpatizantes “terroristas” ou opostos aos valores democráticos. Tais acusações são exemplos clássicos de racismo anti-palestino.

Resista à pressão do lobby sionista e à desinformação: Não acredite em informações fornecidas por autoridades israelenses ou grupos de pressão sionistas. Sempre considere que as informações sobre palestinos e aliados provenientes dessas fontes são de má-fé e têm como objetivo deslegitimar a incidência palestina. Rejeite a pressão deles para impor leis, políticas ou medidas repressivas contra a incidência palestina.

Acabe com a repressão institucional: Seja contra toda a legislação e políticas que criminalizam a incidência palestina e aplique medidas de proteção contra a perseguição ou estigmatização de pessoas com base nas suas opiniões sobre a Palestina.

Rejeite a instrumentalização do antissemitismo: Faça distinção clara entre antissemitismo e crítica a Israel ou ao sionismo. Oponha-se ao uso indevido de leis e definições — como a definição da IHRA — que silenciam a legítima defesa, a incidência dos direitos palestinos. Desvincular o sionismo do judaísmo é crucial, mas os palestinos não devem ser sobrecarregados com a obrigação de fazer essa distinção em cada palavra ou ação que realizam.

Aplique os direitos universais sem hipocrisia: Defenda direitos fundamentais, como liberdade de expressão, protesto e imprensa, e o direito de boicote para todos. Confronte a hipocrisia de pregar os direitos humanos universais e os valores democráticos, ao mesmo tempo que se silencia a dissidência e se criminaliza aqueles que desafiam as políticas israelenses.

Promova a responsabilidade: Responda e corrija casos de repressão injusta e comunicar publicamente as medidas tomadas.

Para defensores e ativistas:

Evite a intimidação para ficar inerte e  se autocensurar: Mantenha-se firme em sua resistência e solidariedade. Sua voz é essencial, e a luta pela justiça não deve ser silenciada.

Mantenha sua mensagem sem desculpas: Mantenha-se autêntico ao comunicar as realidades da opressão colonialista e seja estratégico na forma como transmite sua mensagem.

Desafie as falsas acusações e a desinformação: Garanta que os responsáveis por campanhas difamatórias sejam responsabilizados. Exija inquéritos públicos e investigações sobre como esses ataques violam as liberdades de expressão, da mídia e acadêmica.

Procure assistência jurídica: Entre em contato com organizações como a Palestine Legal, o Centro Europeu de Apoio Jurídico e seu sindicato para obter apoio jurídico. Conheça seus direitos e entenda como lidar com um ambiente cada vez mais repressivo.

Proteja sua segurança e proteção: Mantenha-se informado sobre as ferramentas e práticas de segurança digital e física para proteger sua identidade e comunicação.

Mantenha o bem-estar mental e emocional: Proteger-se faz parte de manter a luta. Priorize o descanso, os cuidados e os relacionamentos de apoio para suportar o desgaste mental da repressão.

Obtenha força dos coletivos: O isolamento é um dos objetivos da repressão, mas você não está sozinho nessa luta. Conecte-se com redes globais de solidariedade e construa alianças entre movimentos e comunidades. Lembre-se: o poder coletivo é sua arma mais forte contra as forças que tentam silenciá-lo.

Abrace a libertação interseccional: Lembre-se de que a luta global pela justiça está interligada, e sua solidariedade faz parte de uma luta maior pela justiça e dignidade contra os sistemas de imperialismo e racismo.

Compilamos uma lista de recursos sobre como buscar apoio jurídico e conhecer seus direitos, bem como recursos sobre segurança digital de nossos parceiros e aliados — confira aqui

Combatendo à Censura

Nos meios de comunicação internacionais, no meio acadêmico, na política e nos espaços digitais, as vozes, as narrativas e a produção de conhecimento palestinos são fortemente censurados — muitas vezes por meio de políticas e práticas institucionalizadas que restringem a forma como os palestinos podem narrar e analisar suas realidades e sua luta pela liberdade.

O poder de narrar, ou de impedir que outras narrativas se formem e surjam, é muito importante para a
cultura e o imperialismo, e constitui uma das
principais conexões entre eles.
Edward Said, “Cultura e imperialismo”

Censura da mídia

A censura das vozes e narrativas palestinas na mídia ocorre ao longo de todo o ciclo — desde a seleção e obtenção de vozes palestinas até guias de estilo e políticas que proíbem o uso de linguagem e enquadramento precisos, e a edição de entrevistas e artigos.

Um estudo que analisa guias de estilo jornalístico sobre a Palestina constatou que o racismo anti-palestino foi “padronizado como prática jornalística” sob o pretexto de diretrizes editoriais que priorizam a “neutralidade e objetividade”. Por exemplo, os guias de estilo da BBC e do Instituto Internacional de Imprensa negam ou suavizam conceitos e termos palestinos fundamentais, como Nakba, refugiados e até mesmo Palestina. Essa censura intensificou-se durante o genocídio em curso em Gaza. Um memorando que vazou do jornal The New York Times instruía jornalistas a evitar o uso de “linguagem inflamatória”, incluindo termos como “genocídio”, “limpeza étnica”, “massacre”, “chacina”, “território ocupado” e “campos de refugiados” — mesmo em citações.

Outras formas de censura incluem práticas de edição prejudiciais. Vários participantes palestinos em nossa pesquisa compartilharam que agora só aceitam entrevistas ao vivo para proteger suas declarações de distorções editoriais. Mesmo em entrevistas ao vivo, alguns veículos de comunicação recusam-se posteriormente a publicar as entrevistas online. Por exemplo, a entrevista ao vivo da advogada palestina de direitos humanos Noura Erekat com a CBS News não foi publicada online. A explicação foi que ela foi “muito defensora” e fez o âncora “soar mal”.

Não se trata apenas do que queremos comunicar, mas do que precisa mudar dentro dessas estruturas que silenciam vozes críticas no processo de obtenção, publicação e, posteriormente, enquadramento ou edição das matérias. […] Portanto, não se trata apenas de “posso simplesmente sentar aqui e imaginar um discurso agradável que surgirá sobre a Palestina? A questão é: essas instituições de mídia conseguem imaginar mudar a forma como trabalham, de modo a realmente valorizar as histórias das pessoas e querer refleti-las?
Entrevista de pesquisa, acadêmica
Leia mais em nossa pesquisa e metodologia aqui

Censura digital

As plataformas de mídia social têm sido cúmplices na censura e no silenciamento das vozes palestinas e do conteúdo solidário. A 7amleh, o centro árabe para o avanço das mídias sociais, monitora periodicamente o aumento da censura de conteúdo palestino por parte de empresas globais de tecnologia. O conteúdo e as contas são removidos, bloqueados e restritos; enquanto as hashtags são ocultadas e o conteúdo arquivado é excluído. 

Há também uma discriminação generalizada contra os palestinos nas plataformas de mídia social, especialmente nas que pertencem à Meta, que por sua vez reconheceo esse viés em 2022. 

Você pode relatar sobre os direitos digitais palestinos na plataforma 7amleh aqui.

Jalal Abukhater sobre censura e cumplicidade nas redes sociais.
Fonte: Análise aprofundada sobre a Palestina

Censura acadêmica

A produção palestina de conhecimento enfrenta há muito tempo uma repressão sistêmica nas principais instituições acadêmicas. Isso está intimamente ligado à captura política e corporativa das instituições acadêmicas ocidentais. Como Joseph Massad observas, os estudos críticos sobre a Palestina ameaçam os interesses arraigados do imperialismo ocidental e do poder corporativo, tornando a própria liberdade acadêmica uma vítima das agendas políticas das elites.

Essa censura manifesta-se de várias formas:

  • Censura institucional e reação contra estudantes e acadêmicos que se concentram nas perspectivas palestinas.
  • Marginalização da pesquisa crítica que desafia as narrativas dominantes.
  • Cancelamento ou interferência em conferências ou eventos que apresentam perspectivas críticas sobre Israel.
  • Recusa de financiamento para pesquisas, projetos ou grupos estudantis focados na Palestina.
  • Exclusão dos currículos, com estudos palestinos, do Oriente Médio e áreas relacionadas frequentemente ministrados por professores não palestinos que ignoram os estudos palestinos e descoloniais.
  • Pressão sobre estudantes e acadêmicos palestinos para que evitem escrever sobre sua própria luta sob o pretexto da “objetividade”, enquanto outros que trabalham com a Palestina são pressionados a adotar uma abordagem que considere “os dois lados” oferecendo um Dois-ladismos.

Essas práticas violam a liberdade acadêmica, promovem a autocensura e estreitam o espaço intelectual para abordar a Palestina em termos descoloniais significativos.

Estudo de caso

Em novembro de 2023, o advogado palestino Rabea Eghbariah se tornaria o primeiro acadêmico palestino a ter um artigo publicado na Harvard Law Review, intitulado Toward Nakba as a Legal Concept (Rumo à Nakba como conceito jurídico). No entanto, pouco antes de sua publicação, o artigo foi bloqueado inesperadamente. Posteriormente, a Columbia Law Review publicou o artigo após cinco meses de edições. Em seguida, logo após sua publicação, todo o site da revista ficou fora do ar. Mais tarde, foi revelado que, quando os editores se recusaram a impedir a publicação do artigo, o conselho de administração decidiu encerrar completamente o site.

Rabea Eghbariah sobre a censura do seu artigo “Toward Nakba as a Legal Concept”
Fonte: Democracia agora

Censura política e das ONGs internacionais

Muitos governos e instituições doadoras impõem condições políticas formais — como exigir que os grupos palestinos assinem cláusulas “antiterrorismo” em contratos que denunciam a resistência palestina como “terrorismo” com base em designações ocidentais — e políticas mais amplas que censuram as narrativas palestinas e limitam o escopo temático e geográfico de seu trabalho.

Muitas organizações palestinas são obrigadas a adotar uma linguagem que se adapte às narrativas sancionadas pelos doadores, baseadas no humanitarismo, no desenvolvimento, na “construção da paz” e na resolução de conflitos. Por exemplo, os doadores muitas vezes proíbem as organizações locais de usar conceitos como Nakba, colonialismo de povoamento e apartheid. Em vez disso, as organizações são pressionadas a usar jargões como “vulnerabilidade”, “resiliência”, “mitigação de conflitos” e “nexo de paz”. 

Essa censura também se estende a quem e em que eles podem trabalhar: muitos são restringidos a temas específicos, como gênero, empoderamento dos jovens ou direitos humanos — desprovidos de seu contexto político e confinados a um âmbito geográfico limitado, geralmente as terras palestinas ocupadas desde 1967.

Tais práticas contribuíram para a fragmentação e a despolitização da sociedade civil. Além disso, essa censura impede que os grupos palestinos articulem uma visão política unificada de libertação, reduzindo seu trabalho a projetos gerenciáveis e aprovados pelos doadores, desconectados da luta palestina mais ampla.

A censura das vozes palestinas enfraquece a autonomia palestina. Ao bloquear ou distorcer as vozes dos sobreviventes, estudiosos, ativistas e analistas palestinos, as narrativas e a produção de conhecimento palestinas são apagadas, e os espaços para representar suas experiências são negados. Quando os palestinos são censurados — seja em espaços físicos ou digitais —, o público fica exposto à desinformação e à propaganda. Isso não só normaliza a colonização israelense, mas também a protege do escrutínio e da responsabilização necessários.

Meios de comunicação tradicionais:

Adote políticas e práticas éticas: Elimine todas as políticas e práticas que permitem reportagens tendenciosas e suprimem o enquadramento preciso e contextual em todo o ciclo da mídia, desde a seleção e obtenção de vozes palestinas até a filtragem editorial e guias de estilo que proíbem uma linguagem precisa. Comprometa-se com os princípios de independência, justiça e responsabilidade na elaboração de relatórios, de acordo com o Carta Global de Ética para Jornalistas.

Garanta Transparência: Divulgue publicamente as políticas editoriais, memorandos internos e processos de tomada de decisão que moldam a cobertura da Palestina.

Promova a responsabilidade: Responda e corrija casos de censura injusta e reportagens antiéticas, e comunique publicamente as medidas tomadas.

Nomeie palestinos para cargos de tomada de decisão: Melhore a exatidão e as nuances nas reportagens, nomeando palestinos e outras pessoas com experiência direta na Palestina para cargos editoriais, de produção e de liderança nos principais meios de comunicação.

Recuse eufemismos e use terminologia precisa: Os eufemismos suavizam ou obscurecem os danos — chame a injustiça pelo seu nome. Identifique o autor do crime e evite linguagem passiva. Uma linguagem precisa e direta respeita as pessoas afetadas e responsabiliza os infratores. (Saiba mais sobre eufemismos aqui e verifique nosso guia de terminologia aqui).

Respeite a análise palestina: Publique as narrativas completas dos comentaristas palestinos sem censurar suas análises políticas ou retratá-los apenas como vítimas do luto.

Companhias de mídia social:

Acabe com as políticas discriminatórias: Elimine todas as políticas tendenciosas contra os palestinos e cumpra as obrigações legais e éticas para garantir a liberdade de expressão de todas as pessoas.

Aumente a transparência: Divulgue regularmente relatórios sobre as políticas e critérios de moderação de conteúdo para garantir que sejam aplicados de forma consistente.

Promova a responsabilidade: Responda e corrija casos de censura injusta e violações dos direitos digitais, e comunique publicamente as medidas tomadas.

Incentive o diálogo: Promova o diálogo contínuo com grupos de incidência e organizações da sociedade civil para abordar e resolver questões relacionadas com violações dos direitos digitais e censura.

Instituições acadêmicas:

Proteja a liberdade acadêmica: Garanta que estudantes, acadêmicos e qualquer pessoa palestina com trabalhos críticos sobre Israel possam publicar, ensinar e falar livremente, sem medo de censura, retaliação ou interferência institucional.

Institucionalize mecanismos transparentes contra a censura: Estabeleça diretrizes claras e transparentes que impeçam conselhos, administradores ou atores externos de interferir em decisões editoriais, eventos acadêmicos ou pesquisas relacionadas à Palestina com base em motivações racistas.

Apoie os estudos palestinos e descolonizacionais: Promova espaços que publiquem e divulguem, em vez de temer, os estudiosos palestinos e as pesquisas descolonizadoras sobre a Palestina.

Governos e doadores:

Reconheça as dinâmicas de poder: Reconheça como os mecanismos de financiamento podem reproduzir relações de dependência e colonialismo.

Garanta à Autonomia Palestina: Respeite as organizações e grupos palestinos para identificar suas prioridades, estratégias e narrativa.

Comprometa-se com a decolonização da ajuda: Acabe com o financiamento condicional e deixe de impor condições restritivas que ditam as estratégias e o envolvimento dos grupos da sociedade civil palestina com as pessoas e as comunidades. Isso deve incluir respeitar e reconhecer a luta nacional anticolonial legítima do povo palestino e seu direito de resistir, bem como empoderar os grupos palestinos para que definam suas próprias narrativas e escopo de trabalho.

Rejeite a despolitização: O trabalho da sociedade civil palestina é inerentemente político. Forçá-la a se encaixar em estruturas isoladas, como humanitária, direitos humanos, gênero ou empoderamento dos jovens — sem contexto político — não permite analisar a situação com precisão e encontrar respostas adequadas.

Incidência e Ativismo:

Combate à autocensura: Mantenha-se firme ao falar, escrever e defender suas ideias. Sua voz é essencial para recuperar as narrativas e a autonomia palestinas.

Mantenha sua mensagem sem remorso: Mantenha-se autêntico ao comunicar as realidades da opressão colonialista e seja estratégico na forma como transmite sua mensagem.

Desafie a censura: Responsabilize os meios de comunicação, instituições acadêmicas, agências doadoras e empresas de mídia social quando censuram vozes palestinas e solidárias. Quando for relevante, exponha publicamente a censura, apresente reclamações e amplifique as vozes que as instituições tentam silenciar.

Recusando eufemismos

Um homem que possui uma língua possui, consequentemente, o mundo expresso e implícito nessa língua.
Frantz Fanon, “Pele negra, máscaras brancas”

Eufemismos — termos suavizados, vagos ou passivos — são rotineiramente empregados quando se comunica a luta palestina.

Voz passiva

Isso apaga o autor do crime, fazendo com que a violência colonial pareça um acidente, em vez de um ato sistêmico de agressão:

  • “Dezenas foram mortas” em vez de “Israel massacrou/matou 40 palestinos”.
  • “Edifícios desabaram/explodiram” em vez de “Bombardeios israelenses destruíram casas familiares”.

Linguagem reducionista

Isso minimiza e apaga o contexto político da colonização israelense:

  • “Bairros” em vez de “assentamentos”.
  • “Despejo” em vez de “expulsão forçada”.
  • “Motins” ou “confrontos” em vez de “protestos contra a ocupação israelense”.
  • “Dispersar multidões” em vez de “reprimir manifestantes com força letal”.
  • “Barreira” ou “muro de segurança” em vez de “muro do apartheid” ou “muro da anexação”.

Linguagem legitimante

Isso dá suporte às ações e políticas israelenses, apresentando-as como “defensivas” em vez de agressivas e coloniais:

  • “Forças de Defesa de Israel (IDF)” em vez de “Forças de Ocupação de Israel (IOF)”.
  • “Operações defensivas” ou “operações antiterroristas” em vez de “ofensivas militares/agressões/ataques”.

Linguagem excepcionalista

Apresenta a violência sistêmica israelense como incidentes isolados:“Ataques extremistas” em vez de “violência dos colonos apoiada pelo Estado”.

  • Ênfase excessiva no “governo/funcionários de direita” de Israel, sugerindo que suas políticas são excepcionais, em vez de consistentes com as políticas coloniais de longa data de Israel em todos os governos. 

Saiba mais em nossa ferramenta de terminologia

Fonte: Twitter de Assal Rad, aqui e aqui

O eufemismo não é apenas uma escolha linguística, é uma ferramenta deliberada de censura e apagamento. A linguagem utilizada para enquadrar a injustiça molda profundamente a percepção pública global e a resposta política. Termos higienizados e reducionistas eliminam a possibilidade de compreender o contexto completo das experiências palestinas, reforçando narrativas que obscurecem a gravidade dos crimes israelenses e impedem esforços significativos em direção a uma mudança sistêmica.

Desenvolva diretrizes éticas: Estabeleça e aplique diretrizes e políticas éticas claras em relação à linguagem no seu local de trabalho ou compromisso.

Recuse eufemismos e use terminologia precisa: Chame a injustiça pelo seu nome. Identifique o autor do crime e evite linguagem passiva. Certifique-se de que toda a linguagem situe os eventos dentro de seu contexto colonial mais amplo e evite termos reducionistas ou suavizados que minimizem a violência sistêmica e os crimes internacionais. Uma linguagem precisa e direta respeita as pessoas afetadas e responsabiliza os infratores.

*Saliba mais em nosso guia de terminologia

Resistindo à apatia

Perder a capacidade de ficar chocado, horrorizado — de sentir a dor dos outros, de qualquer pessoa — e ficar indiferente diante de atrocidades sempre foi uma preocupação constante para mim. É assim que avalio minha própria determinação e força. A essência da mente humana é a força de vontade, a do corpo é a ação e a do espírito é a emoção. A empatia — sentir a dor da humanidade — é a essência da civilização humana.
Walid Daqqa, Carta no primeiro dia do seu vigésimo ano na prisão israelense

Um fenômeno preocupante e arraigado na comunicação sobre a Palestina é a normalização da violência colonial israelense e a insensibilidade ao sofrimento palestino. Essa dessensibilização não é acidental; ela é moldada por sistemas globais de imperialismo e racismo, mídia prejudicial e enquadramento político, além de fatores psicológicos que levam a perceber a opressão palestina como algo comum e inevitável.

Essa apatia não é encontrada apenas em ambientes hostis. Isso também pode afetar os próprios palestinos e seus aliados, que podem internalizar a normalização da violência como um mecanismo de defesa.

Normalização do sionismo

A insensibilidade do público internacional à opressão do povo palestino decorre, em grande parte, da normalização do regime colonial sionista. Que um sistema colonialista do século XXI, juntamente com a ”ocupação belica mais longa do mundo moderno“, continua sem interrupções é o status quo.

Racismo global

Essa normalização não é exclusiva do contexto palestino: faz parte de um sistema global de imperialismo e racismo que condiciona as pessoas a aceitarem a violência prolongada contra povos racializados como inevitável. Desde o policiamento violento e a prisão em massa de pessoas negras, até a desumanização de refugiados e a expropriação e exploração de povos indígenas, o sofrimento das pessoas de cor é constantemente tratado como “algo normal”. 

O racismo e as ideologias imperialistas não só tornam as pessoas insensíveis, como também tentam condicionar os próprios oprimidos a se acostumarem a suportar guerras, genocídios e deslocamentos forçados.

Saleem Lubbad sobre como o sofrimento dos palestinos é normalizado
Fonte: Mergulho profundo na Palestina

Mídia seletiva e atenção política

Na manhã de sábado, 7 de outubro, meu telefone começou a tocar sem parar. Pela grande quantidade de ligações recebidas da mídia ocidental, e sem ver as notícias, eu sabia que vidas israelenses devem ter sido perdidas. Por quê? Porque, depois de viver na Palestina há muitos anos, aprendi que os meios de comunicação ocidentais raramente ligam com tanta urgência quando Israel mata palestinos.
Diana Buttu, “Quando as vidas palestinas são tão desumanizadas, o sofrimento palestino é normalizado”

A Palestina costuma estar no centro das atenções da mídia e do discurso político quando a resistência palestina ameaça Israel, muitas vezes provocando uma onda de condenação que apaga o contexto e rotula os palestinos como “terroristas”.

O outro momento em que a Palestina atrai a atenção é durante as chamadas “escaladas de violência”. No entanto, a intensidade é relativa, e mesmo 400 palestinos mortos em Gaza todas as semanas deixam de ser notícia após algum tempo. Enquanto isso, os períodos entre derramamentos de sangue palestinos visíveis e ataques militares em grande escala são percebidos como momentos de “paz”. 

A violência colonial israelense, no entanto, vai além da destruição visível. Inclui formas mais lentas e menos visíveis de violência, como a negação do direito de retorno, a negação do direito de enterrar entes queridos, a fragmentação das famílias e a erosão dos laços comunitários. Todos são uma lenta erosão da dignidade. Enquadrar essas realidades como “silenciosas” é aceitá-las como normais.

Essa atenção seletiva — destacando a “violência” palestina, enquanto trata a opressão israelense apenas como “escaladas” esporádicas e normaliza sua violência diária — alimenta a apatia. Na consciência pública, a violência constante imposta aos palestinos é apagada, apresentando-os como irracionalmente violentos e tornando seu sofrimento mais fácil de ignorar.

Não existe ocupação de território, por um lado, e independência das pessoas, por outro. É o país como um todo, sua história, sua pulsação diária que são contestados, desfigurados, na esperança de uma destruição final. Nestas condições, a respiração do indivíduo é uma respiração observada, ocupada. É uma respiração de combate.
Frantz Fanon, “Um colonialismo moribundo”

Fadiga da Compaixão

O fenômeno da dormência também é reforçado psicologicamente. Estudos mostraram como a exposição repetida ao sofrimento de outras pessoas leva ao desengajamento emocional no que é conhecido como fadiga da compaixão. A fadiga das notícias também desempenha um papel importante, no qual os indivíduos ficam sobrecarregados pelo fluxo constante de informações angustiantes, levando-os a evitar intencionalmente as notícias, mesmo quando elas se referem a atrocidades catastróficas em andamento. Além disso, há entorpecimento psíquico resultante da incapacidade das pessoas de compreender as perdas de vidas à medida que crescem. 

Recuse-se a ficar insensível: Resista à normalização do horror. O sofrimento palestino não dá trégua, nem mesmo para o luto.

Mantenha o bem-estar mental e emocional: Proteja-se faz parte de manter a luta. Priorize o descanso, os cuidados, a reflexão e as relações de apoio.

Equilibre o bem-estar com a responsabilidade: Reconheça a fadiga da compaixão, mas não como uma desculpa para a apatia. Crie espaço para o cuidado, mantendo-se politicamente engajado.

Obtenha força dos coletivos: A exaustão emocional é real, mas lembre-se de que você não está sozinho nessa luta — o poder coletivo é o seu maior recurso. Conecte-se com redes globais de solidariedade e construa alianças entre movimentos e comunidades.

Mantenha a consistência: Evite cobertura, atenção e mobilização esporádicas que só aumentam durante a violência destrutiva. A inconsistência corre o risco de alimentar a apatia, que normaliza a opressão e apaga a urgência da libertação palestina.

Forneça contexto e mostre a realidade violenta em suas múltiplas camadas: Destaque o contexto da colonização, enfatizando que cada dia sob esses sistemas é marcado pela violência e pela opressão. Reconheça que a violência colonial transcende as balas e inclui formas mais sutis de opressão. Certifique-se de que sua comunicação não inclua apenas momentos de resistência e reação por parte dos palestinos.

Abrace a libertação interseccional: Lembre-se de que a luta global pela justiça está interligada, e sua voz faz parte de uma luta maior pela justiça e dignidade contra os sistemas de imperialismo e racismo. Quando você defende a Palestina, você está resistindo a todos os sistemas que tratam algumas vidas como descartáveis.